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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Autovistoria: a lei podia ser melhor

  
A nova lei que institui a autovistoria de imóveis na Cidade do Rio de Janeiro (126/2013) é uma forma indisfarçável de privatização da fiscalização municipal, no que tange à conservação das edificações em geral. Em vez de promover concurso para o preenchimento de cargos de engenheiro e arquiteto nos quadros da prefeitura, a quem deveria caber realizar essa tarefa em nome do poder público, o legislador decidiu transferir o ônus de atestar o bom - ou mau - estado dos prédios a profissionais contratados às expensas dos proprietários, em sua maioria condomínios, desviando ainda a responsabilidade pela qualidade desse trabalho para as dóceis costas dos conselhos profissionais, CREA e CAU, que endossaram a iniciativa.

A lei é vaga, ou 'genérica', no jargão oficial do Piranhão, misturando atribuições das duas classes (arquitetos não deveriam analisar a estabilidade de grandes estruturas) e esquivando-se de definir o que deve e o que precisa ser inspecionado, sem ao menos sugerir um modelo de laudo para, ao mesmo tempo, nortear a descrição das informações e facilitar o trabalho de quem vai analisar os dados, no âmbito da Secretaria Municipal de Urbanismo. A ideia da lei visou, ao mesmo tempo, a criar mecanismos de resguardo de segurança das edificações e abrir um mercado de trabalho novo para os profissionais envolvidos, segundo admite o próprio CREA.

Existem cerca de 875 mil imóveis no município, dos quais 270 mil estão sujeitos a ser inspecionados. Não chega a 2 mil as edificações já vistoriadas e o prazo para entregar os laudos expira, a priori, no dia 1º de janeiro de 2014 - daqui a 27 dias corridos, portanto. A própria prefeitura não fiscalizou a maioria dos seus próprios ainda. Mais de 70% dos avisos de vistorias feitas já retornados à SMU acusam, como motivo para a recomendação de intervenções, erro de execução da obra ou problemas de manutenção nesses imóveis.

Um seminário realizado nesta quarta 4 no CREA, com a presença de mais de 500 interessados, discutiu propostas de aprimoramento do texto legal, para eliminar inconsistências e conferir maior segurança aos profissionais que assinarão os LTVPs (laudos técnicos de vistoria predial). Entre outras considerações feitas, mencionou-se a validade de cinco anos para cada laudo, com a concomitante obrigação de guarda do documento por 20 anos, criando uma aparente superposição de responsabilidades.

E o mercado persa de orçamentos, como se podia esperar, já está aberto. Um condomínio de dois edifícios de 12 andares com um total de 150 apartamentos, pode escolher entre desembolsar quase R$ 16 mil ou módicos R$ 3,2 mil, dependendo da vontade dos condôminos. Mais que isso: uma mera assembleia pode, simplesmente, atestar a incapacidade de desembolso dos moradores para a contratação do serviço, ou até determinar a não realização da vistoria, colocando o síndico na incômoda posição de ter que informar isso à administração municipal. Sem falar que a facilitação do acesso às unidades autônomas para inspeção é uma prerrogativa do morador, que pode negar-se a isso.

Enfim, a lei está vigendo, síndicos, proprietários e inquilinos estão em polvorosa com a perspectiva de mais despesa neste fim de ano e uma legião de espertalhões, misturados a engenheiros e arquitetos de gabarito, aguarda a chance de faturar fácil, em cima das derrapadas do grupo de trabalho (prefeitura, CREA, CAU, ABNT, ABADI, SECOVI e ADEMI) que tanto se orgulha de ter discutido em detalhes mais esse confuso instrumento de controle urbano.