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terça-feira, 5 de outubro de 2021

Ser ou não ser: meia liberdade é como meia gravidez

Esta semana, voltei à feira de livros do shopping, de onde eu já tinha levado para casa a biografia do Bussunda, em busca de um título que tinha me chamado a atenção há algum tempo. Depois do 'jornalismo mentira' dos cassetas, que fustigava a realidade achincalhando descaradamente a notícia, era a vez da fábula saída do gênio de George Orwell, 'A Revolução dos Bichos', publicada em 1945. Uma narrativa que, em boa medida, antecipa o clássico '1984', a história futurista que apresenta o Grande Irmão (o Big Brother), lançada em 1948.

A fábula, cujo título original em Inglês é 'Animal Farm' (a fazenda dos animais, uma tradução literal que foi adotada em algumas edições em Português), trata da tomada de uma fazenda - a Granja do Solar - pelos animais que lá viviam. Eles se rebelam contra os humanos da propriedade e, mais especificamente, contra o dono do lugar, que passa a ser visto como um mero explorador, que nada faz e vive apenas à sombra do trabalho dos bichos. A princípio, após a rebelião, os animais são todos iguais, até que alguns se sobressaem como líderes, fato que os torna 'mais iguais' do que os outros companheiros.

Essa liderança natural, exercida pelos porcos, aceita sem resistência pelos demais, passa a ditar as normas de convívio do grupo, com os líderes cuidando de resguardar para si certos privilégios. Em especial, quando a farinha torna-se pouca e o pirão deles deve vir primeiro. Afinal, 'aqueles que pensam' merecem tratamento diferenciado - como expresso na opinião deles mesmos, claro.

A luta dos bichos por liberdade e prosperidade, com os seus episódios sempre bem pontuados, tem inúmeros paralelos com o atual modus vivendi da humanidade, ou seja, ainda que escrita mais de sete décadas atrás, parece antecipar o ensaio geral da tirania da esquerda, que vem tentando dominar o planeta valendo-se da maior fraude de saúde pública da história da humanidade. Talvez porque a trama tenha sido escrita no apagar das luzes do teatro da Segunda Guerra Mundial, que teve amplo protagonismo comunista. Talvez porque a História tenha seus ciclos e se repita, inexorável e desgraçadamente.

Voltando aos animais, para dar conta de libertá-los da tirania dos humanos, os porcos, tidos como os 'mais inteligentes', assumem naturalmente a ascendência sobre os demais bichos. Também naturalmente, um deles assume - ou se assume - como o líder. Um líder que tem por missão decidir por todos, porcos ou não, sobre todo e qualquer assunto. Por exemplo, confiscar o leite das vacas em proveito próprio, para que se misture à sua ração, com o intuito de garantir a sua saúde.

Afinal, compreende-se, mais uma vez naturalmente, que 'é pela saúde'. E a garantia da saúde é uma causa nobre, respaldada de modo incontestável pela ciência. Esse discurso parece familiar a você?

Os bichos, na prática, deixaram de ser 'escravos dos humanos', para serem escravos de seus iguais, no sentido de que outros animais passaram a controlar as suas vidas. O trabalho na fazenda seguiu quase como na época do controle dos humanos. Entretanto, alguns sacrifícios começaram a ser necessários ao 'bem comum' e a disposição para voluntariar-se a certas tarefas passou a ser algo tão fundamental quanto esperado. Caso alguém não quisesse, tudo bem, contudo uma negativa desse tipo poderia significar que a ração desse membro não colaborativo pudesse vir a ser limitada.

A picadura em nome da 'consciência social', controlada por passaporte que habilite você a deslocar-se livremente ou lhe permita a compra de alimentos, e, sem o qual, nenhum dos dois seja permitido, provoca alguma associação de ideias, no âmbito do seu raciocínio?

O convencimento para que os animais concordassem, placidamente, em fazer 'demonstrações espontâneas', ou seguir uma ordem não muito simpática, ou mesmo consentir uma diminuição da sua própria ração, sempre 'pelo bem de todos', é feito com a ameaçadora lembrança da possibilidade da volta do humano tirano, caso haja quem se oponha. Há que existir um pavor permanente rondando o espírito, para anestesiar o desejo pessoal e impor uma 'vontade coletiva'. Como o medo da morte, o mais maquiavélico ardil para fazer com que as pessoas concordem com qualquer coisa, ainda que ela contradiga a lógica, agrida o bom senso e até comprometa a perspectiva de sobrevivência.

E o convencimento tem lá suas técnicas pouco ortodoxas. Dentre as quais, mentir, omitir e deturpar fatos e verdades que já se conhecem, pelo enfraquecimento deliberado da memória e pela fraudação de detalhes importantes à compreensão geral do que acontece.

Derrotas flagrantes, como na guerra dos bichos contra os humanos que tentaram reaver a fazenda, têm seu sentido distorcido, para que pareçam vitórias. O jogo de palavras tenta lembrar que, afinal, sobrou a fazenda e continuou-se vivendo nela, após a expulsão dos invasores, apesar do saldo de tantas baixas entre os animais. O convincente - embora surrado - discurso de que está tudo bem, já que 'entre mortos e feridos, salvamo-nos todos'.

Hoje, se muitos começam a padecer por colateralidades não previstas porquanto não estudadas devidamente, em virtude da exiguidade do tempo de estudos, esses efeitos adversos devem ser entendidos, com a devida tranquilidade de espírito, como o preço a pagar pelo triunfo sobre o inimigo invisível, contra o qual todos os esforços do mundo foram envidados, numa atitude verdadeiramente heroica daqueles que se propuseram a cerrar fileiras na frente de batalha. Gente corajosa, pois não?

O cético Benjamim, por sua natureza calado, talvez o mais sensato dentre os animais, embora seja um burro, tentou se fazer ouvir, na fazenda. Muitos Benjamins, no atual cenário mundial, continuam tentando que se os ouça. Porém, tanto lá na Granja do Solar, como cá no mundo da gente, a maioria dos animais, os racionais e os irracionais, parece não ter sido instada a aprender a ler nem interpretar o que lê. E, sem essa ajuda, todos acabam e sempre acabarão sucumbindo ao argumento fácil e poderoso de uma nova escravidão que se imponha.

Escravidão? Mas... Não era liberdade? Não era pela vida? Não era chancelada pela Ciência? Não era louvada pelos mais inteligentes? Não era com a melhor das intenções?

Não. Nunca foi.

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